3 de agosto de 2010

Férias

As minhas férias não começaram exactamente da maneira que eu esperava.

Depois de um semestre na faculdade ligeiramente trabalhoso (fiz as cadeiras todas a que me propus, cinco, o que bate o meu recorde pessoal de cadeiras feitas num só semestre, três) pensei sempre que iria poder ir para a Costa de Caparica, e poder aproveitar um mês de descanso bem merecido, na minha mui humilde opinião. Já estava mentalizado para poder ler, escrever ou no geral, fazer o que muito bem me apetecesse.

Mas não.

No alojamento onde estou a escrever isto neste momento eram, aparentemente, precisas massivas quantidades de limpeza. Toca de agarrar o pano do pó e para meu infinito aborrecimento, lá limpámos a casa. Por alguma razão é que só consigo escrever algo sobre as minhas férias dia 3 de Agosto, em vez de dia 1.

Agora, a casa cheira tanto a limpo que me parece proibido passear pelas divisões, no medo de estragar o trabalho de dois dias.

Mas finalmente, agora sim, estou de férias (bom, pelo menos até os meus progenitores decidirem fazer outra coisa qualquer... como são eles que me pagam... erm.... basicamente tudo, é melhor obedecer).

Acho que numa de introspecção é saudável reflectir sobre os meus últimos 6 meses, nomeadamente em termos de rotina diária. Como já tinha dito, fiz 5 cadeiras este semestre, o normal para um aluno do meu curso (sim, eu sei que há cursos em que fazer 5 cadeiras por semestre é banal, e que até se fazem 7 ou 8... mas eu estou a aprender a ser engenheiro, e não leigo).

Mas fazer muitas cadeiras por semestre é deveras anormal para mim. Ou era pelo menos. Obviamente que houve sacrifícios envolvidos. Tanto sociais, familiares, físicos e psicológicos. Bom, na verdade talvez não, porque na verdade o que eu sacrifiquei foi o meu divertimento ao longo do semestre, nomeadamente na forma como os videojogos passaram cada vez menos a ter influência nos meus hábitos de estudo.

Sim sim... eu sou (era?) daqueles geeks (como toda a gente gosta de me chamar) que preferia estar a jogar computador do que a fazer.... bom, qualquer outra coisa. A verdade é que eu chegava a casa, fosse a que hora fosse, e independentemente das responsabilidades que eu tivesse académicas, ia jogar. Admito, não era exactamente inteligente da minha parte. Mas sou apenas humano, e como tal tenho direito de ser ilógico às vezes.

O que é que me mentalizou para revirar a minha vida? Bom, sinceramente não sei precisar, mas ao ver tanta gente a passar-me à frente talvez me tenha apercebido que nos dias de hoje, se alguém pára, é atropelado pela multidão que o segue.

No fundo, suponho que olhava para tantos exemplos de pessoal que não fazia nada, eles também completamente perdidos, e pensei "Eu não quero ser como eles, pois não?". Pois bem, teve de ser, comecei a realmente tentar perceber as coisas que os engenheiros barafustavam nas aulas. Horários pararam de ser importantes, o meu objectivo passou a ficar o máximo tempo possível na faculdade. É um facto esquisito: na altura, eu se estivesse em casa não fazia nada, mas se estivesse na faculdade já tinha motivação para trabalhar. Precisamente por isso comecei a "gastar" maior parte do meu tempo lá, para grande espanto de alguns dos meus colegas.

E meu.

No geral o semestre foi cheio de novas experiências com o novo Eu. Novos métodos de trabalho. Novos desafios. Variadas reflexões sobre as tranformações que me iam sucedendo. As tranformações que eu via igualmente em alguns colegas que também tinham aberto os olhos (e noutros que os fecharam). Apesar de ter sido um semestre em grande, teve tanto momentos bons como maus. O novo Eu exigia mais dos seus colegas e fui perdendo alguns bons amigos. Mas os que se mantiveram comigo fizeram destes meses um momento inesquecível. E por não querer ir-me embora do campus, o pessoal que tinha dúvidas podia vir ter comigo. Aí criei novas amizades e aprofundei outras.

Olho para trás e não me arrependo. Ainda tenho muito que melhorar. Por outro lado ainda tenho muito que fazer no curso, por isso tenho tempo.

Mas pergunto-me, valerá mesmo a pena ajudar os outros? Gastei muito muito tempo a ajudar pessoal que podia perfeitamente desculpar-me e pirar-me. É uma pergunta que me ficou na cabeça durante muito tempo. É de facto a coisa cristã a fazer, mas reparei que as minhas notas poderiam ter sido melhores se tivesse investido ainda mais no estudo individual.

Fico num dilema. Dantes tinha tempo mas não fazia nada porque jogava computador. Agora tenho tempo mas gasto-o em ajudar pessoal em coisas que para mim, por ter ido às aulas, por ter feito exercícios, por ter mostrado interesse, eram perfeitamente banais. Eles, que possivelmente pouco tinham feito, seja por que razão for, podiam estar tranquilos porque tinham alguém que lhes explicasse. Estranhamente, agora vejo nos meus colegas o que eu era dantes. No entanto, se isso é verdade, também o é que qualquer um que queira ter boas notas tem de depender pura e simplesmente dele. Eu sou prova disso.

Pode parecer arrogante, eu sei. "Ah, aquele gajo pensa que por ter passado umas horitas a mais por lá a estudar é grande mestre de tudo." Não. Muito pelo contrário. O esforço, para mim sobrehumano, que fiz (as maratonas, como um colega lhes chamou) nas horas extraordinárias não se comparam a certas histórias que ouço de outras pessoas, tanto do meu curso como de outros. O que eu fiz é puramente uma amostra do que eu TENHO de fazer cada vez mais: trabalhar. Quantas não ouvi já de amigos e amigas minhas de outras maratonas e esforços cataclísmicos maiores que os meus. Para eles, um grande bem haja. Talvez por essas e por outras tenha arranjado ainda mais motivação para melhorar.

Alguns dos docentes que tive este semestre também souberam motivar e disseram-me exactamente o que eu precisava de ouvir. A capacidade de organização de um estudante é fulcral, pois está directamente relacionado com a priorização de todos os aspectos da sua vida. Sobre isso também, descobri que de certa maneira é importante dar-nos bem com os engenheiros. Fazer com que eles saibam que estamos ali. Participar na aula, não ter medo de fazer perguntas, chegar sempre a horas das aulas. Sim, de certa maneira bajular, não tenho problemas em admitir. Fi-lo muito e se eu vir que o consigo fazer também no próximo semestre fá-lo-ei outra vez. Eles podem não saber o nosso nome, mas de cara pelo menos sim. As discussões dos meus trabalhos este semestre correram todas bastante bem exactamente por esse facto.

Pode parecer desonroso, eu sei. "Ah, aquele gajo passou porque ele era um graxista do caraças" Não. Pela minha lógica, se há algo que me vai ajudar a ter uma melhor nota vou obviamente concretizar. Para além disso, ser activo nas aulas é graxismo? Não me parece. Não o ser é que me parece de alguém desinteressado.



Foi o final de um capítulo bom da minha vida. Se eu acreditasse nas cenas dos professores Bambo e nos budas e nos shakras dos ninjas e tal e não sei quê possivelmente diria que estou numa fase de transição bastante esquisita. Agora tenho exactamente um mês para descansar (as aulas recomeçam no princípio de Setembro, por isso vai ser uma primeira semana dos diabos). No próximo semestre vai ser a doer outra vez, mas vou ver se bato o meu recorde de cadeiras feitas num semestre.

Ah, e ver se tiro a porcaria da carta.


Um tubarão consegue comer um bacalhau. Mas não um cardume deles.

5 comentários:

  1. Mas um tubarão só necessita de um bacalhauzito de cada vez. Quanto ao resto da reflexão parece-me muito realista e consciente.
    Na vida nem sempre (quase nunca) fazemos o que queremos. Mas podemos gostar do que fazemos.

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  2. Pois é, em muitas coisas eu terei de concordar pois parece que algo na sua vida se alterou e o fez mudar para melhor, pode ter sido uma situação do dia-a-dia mas foi algo que para si teve um impacto profundo.
    Criticou as pessoas que não trabalham e que não sabem o que fazer mas provavelmente estão simplesmente a espera que algo mude também para elas.

    Esta é a minha primeira vez a escrever neste blog mas devido ao seu conteudo tão gratificante acompanha-lo-ei com alguma atenção no futuro, apenas uma pergunta: Porque a fixação com o Bacalhau?

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  3. Sim, deveras, critico as pessoas que não têm rumo, mas isso também fizeram a mim, e hoje estou agradecido. Às vezes precisamos mesmo daquele colega/amigo que nos guie no caminho certo. Se este texto significasse alguma coisa para alguém e os fizesse ver as coisas de maneira diferente, já ganhava o dia.

    Quanto ao bacalhau, para já, sendo o nome do blog (ou quase), acho que algumas referências seriam inevitáveis. A minha persistência com o bacalhau vem, no entanto, do facto que eu achar que é uma coisa tão presente no dia-a-dia português que se consegue tornar minimamente cómico. Para além disso, tenho um amigo ao qual chamo Bacalhau. Na altura, como andava muito com ele lá na faculdade, decidi, numa pequena homenagem a esse grande senhor, chamar ao meu blog Rei Bacalhau. Lá está, como na altura achava a palavra bastante cómica, decidi ir em frente com isso.

    (nos dias de hoje o pessoal pensa que eu é que sou o Bacalhau por alguma razão)

    Percebo no entanto que aquelas últimas frases no final de alguns dos meus posts a relacionar o que escrevi com bacalhaus podem, de facto, ser irritantes.

    Mas isso dá um carácter especial às coisas, não dá?

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  4. Dá de facto um gostinho lusitano a este blog inteiro de fact porém o que me trouxe aqui outra vez foi um questao totalmente diferente, não pude deixar de reparar que existe em si uma pequena repulsa por o relacionamento com o sexo oposto e se calhar em parte também pelo proprio sexo oposto (espero fazer-me entender)não tenho o direito de o perguntar pois sou novo neste blog mas porque isso?

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  5. Percebo a pergunta. Como é novo por estas andanças ainda não deve ter lido para trás que acho o amor ilógico, por isso sim, pode-se dizer que sinto repulsa, se assim lhe quer chamar. Logo por aí pode tirar umas conclusões bastante esquisitas sobre mim, de certeza. No entanto, não tenho repulsa pelo sexo oposto, eu dou-me igualmente bem com rapazes e raparigas (bom, na verdade tenho quantidade maior de amigos que amigas, mas mais porque no sítio onde passava os dias o rácio entre população masculina/feminina seria de 10 para 1).

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