1 de julho de 2010

Joel sai finalmente da sala. Tinha tido exame. Olhando para fora conseguia compreender claramente que lhe tinha corrido melhor do que ao resto dos estudantes.

"Elá, viste a última pergunta? Lá com o código e tal? Como é que se fazia isso? Era lixado!" - barafustava um.

"Idiota, bastava somar os vários números e aplicar o Teorema de Mikfuki..." - pensou Joel, divertido.

"Eh meu, logo a primeira pergunta espalhei-me todo! As fórmulas não faziam sentido nenhum! Eu bem olhava para aquilo, mas não consegui perceber como aplicar." - e ria-se, como se chumbando de certeza no exame fosse humoristíco.

Para Joel era de certeza, não era ele a chumbar.

"Essa pergunta nem precisava de fórmulas... Esta gente estudou sequer?" - pensou de novo.

"C'um catano! Olha-me lá para esta equação e diz-me lá se isto tava certo, foi o que tentei fazer, mas depois não consegui passar as coisas dum lado 'pó outro! Como é que te correu? Eu desisti logo depois de meia hora! Epá, o Gustavo ainda me passou umas cábulas antes de sair para ir ter com a gaja dele, uns vinte minutos antes de acabar o exame, acho que ainda dá para passar com o que ele me deu. Epá, era lixadíssimo. Será que alguém se safa? Isto é tudo uma grande porcaria, se eles fizessem isto de outra maneira o pessoal conseguia passar. Lá vamos ter de repetir isto 'pó ano, né? Bolas, mas como é que se fazia a última pergunta? Olha, lá vem o Bernardino, não vem muito contente, vem-se juntar ao clube. Ganda merda de teste! Conseguiste fazer o três? E a alínea b, então essa não percebi mesmo. Logo se via que isto ia acontecer, os gajos põem-se a inventar. Aquilo tava nos slides do gajo sequer? Olha a Efigénia, aposto que ela se safou, ela tinha aquele gajo que sabe bué ao lado e sempre que ela pede ele dá-lhe a folha de rascunho, só assim é que passa. Olha, lá vem o gajo, falando nele. Porra, aquilo era tudo marado, não percebi muito daquilo. Nem tu sabes? isto mostra mesmo a qualidade do exame! Olha, vem aí o Joel, nem a ele deve ter corrido bem."

"Então, como correu? Era lixado né?" - perguntou um dos estudantes, de ar desesperado.

Joel levantou uma sobrancelha, fazendo-se de intrigado com a questão. - "Não, era até banal."

Apesar de o ter dito baixo, muitos à volta calaram-se e assassinavam Joel com os olhos, sabendo que ele era arrogante o suficiente para não gozar com uma coisa daquelas, mas sim para gozar com quem achasse que tinha sido difícil. Foi com a mesma arrogância que se foi embora, deixando todos os seus colegas roídos de inveja, e alguns de fúria, pois sabiam que era um dos jovens mais talentosos do curso, ao mesmo tempo que era incrivelmente indelicado.

"Leigos. Leigos. Leigos. Estou rodeado de leigos. Culpam os outros pelas suas irresponsabilidades. Querem tudo de mão beijada. O nível de inteligência geral parece cada vez mais estar a baixar."

"Sim, mas com uma atitude dessas não vais longe pá."

Joel não precisou de se virar para saber quem era e não abrandou a marcha.

"A última coisa que preciso é de sermões. Cada um colhe o que semeia, sabes isso muito bem." - respondeu bruscamente.

"Sim, deveras, mas não te esqueças que isso também se aplica a ti. Estás sempre a criar inimigos entre os nossos colegas. Que raio de colega de trabalho hás-de ser quando estiveres no mundo de trabalho, hmm?"

"Possivelmente horrível, mas burro há-de ser o chefe que me despeça apenas por essa razão, pois eu sei e tu sabes que serei extremamente eficiente." - notou Joel.

"Pois, mas para alguns isso não será suficiente. Para além disso, não tiveste grande atitude com os teus colegas... Então tu sabes que há uma certa matéria que vai sair e não dizes a ninguém? Tanto quanto sei ninguém para além de ti fez o último exercício!"

"Essa agora!" - rugiu Joel - "Eu soube porque mandei um mail, falei várias vezes com os docentes. Se eu tive esse esforço eles também poderiam perfeitamente ter!"

"Sim, mas há que haver algum espírito de entre-ajuda académica pá. Como é que podes achar que não?"

"E gastar o meu tempo? Muitos distraem-se tão facilmente que seria difícil haver algum tipo de produtividade. A verdade é que ainda não encontrei ninguém que estivesse ao mesmo nível do meu em termos de capacidades de esforço e inteligência, obviamente. Prefiro trabalhar ao meu ritmo do que andar aí com um "pendura" às costas a atrasar-me. Para além disso, qual seria a grande vantagem de ajudar alguém? Sabem todos menos que eu, ninguém me poderia ajudar para retribuir."

"As coisas nem sempre são assim tão simples, sabes que......."

Dois estudantes cruzam-se com Joel. Um deles, estranhando, pergunta ao outro:

"Olha lá, não te parecia que o Joel estava a falar sozinho?"

3 comentários:

  1. Só digo isto, "ui" !

    As cronicas do dia-a-dia, os apontamentos da sociedade actual são sempre os melhores, se não os mais recheados de graça.

    Parabens!

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  2. Curioso, curioso é que já dei por mim também a falar sozinho. É uma fantástica terapia. E tem uma vantagem: ninguém refila connosco.
    Grande momento de escrita, sim senhor! Uma crónica do quotidiano mesmo académica é sempre bem vinda... Eu gostei!

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  3. Ele não estava a falar sozinho. Ele até estava numa discussão bastante acessa com .... bem... o outro.

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