25 de maio de 2010

O Assassino que mata alguém nu

Adolfo vai mudando de canal. Nenhum lhe parece interessar particularmente muito. Ele gostava daqueles momentos: depois de uma bela sessão de exercício à noite (especialmente uma tão proveituosa como a que tinha tido), relaxar num sofá à frente da televisão. É-lhe sempre díficil encontrar o canal que quer. Lá vai ele carregando no assediado botão.

"Ah, finalmente!", exclama. "Desenhos animados!", sorriu com uma extrema felicidade. "Bom, não conheço estes muito bem, mas vamos a ver se são alguma coisa de especial!." Exultava-se facilmente com as figuras coloridas nas suas aventuras e desventuras imaginárias. Conseguia estar horas a divertir-se à frente da televisão.

"Consegues ver daí pá!? Aí esticadinho como estás não deves conseguir. 'Pera lá, queres ver também não queres? Eu sento-te ali naquele sofá. Tens é de estar quietinho, hem?" Adolfo levanta-se e transporta a infeliz vítima, que amordaçada e atada, pouco podia fazer para contrariar o movimento do seu atormentador. A vítima, coitada, era na realidade um homem muito capaz de ser defender, em princípio. No entanto, apanhado de surpresa pela agilidade e força inesperadas de Adolfo, foi rapidamente controlado. Estava naquele horrível suplício há horas já... Nem tinha a certeza se já seria de dia. Agora, sentado ao lado do homem mais aterrador que já havia conhecido, olhava para a televisão e chorava, tentando gritar (como, aliás, já tinha tão futilmente tentado tantas vezes antes), mas o som saía demasiado abafado para alguém poder ouvir, e naturalmente acudir.

Adolfo sabia o que corria pela cabeça da sua vítima. Já estava quase a ficar no ponto que gostava.

"Olha lá, tens aqui até uma bela casa. Compraste com os trocos que roubas do pessoal, foi? Apanhaste foi o gajo errado esta noite!", gozou malevolamente, com um sorriso inigualavelmente sarcástico.

Havia sido, de facto, uma noite de incrível má sorte para o homem. Adolfo tinha saído muito tarde à noite de casa, tentando encontrar situações que ele considerasse.... impróprias para um cidadão preocupado com o bem estar dos outros. Por acaso, numa rua mais escura, lá vinha um indivíduo com aspecto de quem tinha más intenções.

De facto, ele aproximou-se, e tomando-o como presa fácil, puxou de uma faquinha, dizendo:

"Passa o telemóvel, antes que ta corte cabrão!"

Adolfo inspeccionou com os olhos a faca apresentada. Deu uma gargalhada valente. "Sim, está bem, deixa-me só tirá-lo do bolso..." O bandido estranhou a cooperação tão passiva, mas não quis fazer caso e esperou impacientemente pela sua futura propriedade. No entanto, para seu espanto, Adolfo começou a tirar um objecto metálico de dimensões consideráveis. Maior do que esperava que alguém conseguisse meter num bolso.

"Vou agora citar um filme muito engraçado!", disse, com um sorriso matreiro, quase infantil. "Isso não é uma faca...", apontando para a navalha do assaltante, e acaba de retirar uma faca de cozinha do bolso. "Isto sim, é uma faca!"

O assaltante, algo incrédulo, percebeu que não seria a sua noite e procedeu a fugir o mais rapidamente dali.

"Vai! Eu dou-te um avanço, que tenho só de fazer uma coisinha!" Ao dizer isto, começa a tirar o casaco e as calças. De seguida a camisa. De seguida a roupa interior. Ficou de sapatos apenas. Deixou a brisa leve da noite moderar a temperatura do corpo. Quando satisfeito, com as pudenda descaradamente à mostra, decidiu começar a perseguição. Como planeado, não havia ninguém na rua. Aquela hora era, de facto, a melhor para se ser assaltado. O assaltante, que não sabia que era perseguido, andava agora despreocupadamente pela rua.

tchoc tchoc tchoc...



tchoc tchoc tchoc....





tchoc tchoc tchoc.....





Estranhando o barulho atrás de si, rapidamente se vira e, horrorizado, vê um homem completamente nu a agitar uma faca a correr veloz e desenfreadamente na sua direcção. Paralizado por segundos pela situação peculiar, se não mesmo absurda, apercebe-se que é melhor correr o mais rapidamente possível.

Adolfo havia subestimado o seu alvo. Era também um jovem de excelente forma física e por isso atingiu uma boa velocidade num ápice. Sentiu que iria gostar desta perseguição.

Adolfo endireita-se e começa o seu passo de corrida mais sério, com o qual normalmente apanha as suas vítimas. O ladrão agilmente salta por cima de um corrimão. Contorna a esquina da rua. Salta por cima do capô de um carro estacionado por ali. Atravessa a rua a alta velocidade. Transpõe um muro e entra numa propriedade guardada por um cão. Despreocupadamente ignora o canídeo e trepa outro muro, mais alto. Continua a correr. E corre.



E corre.



E corre.



E corre.





Quando exausto de tamanho esforço espontâneo, decidiu que possivelmente já teria escapado ao seu perseguidor, e parou. De facto, olhando em volta, aparentemente não havia sinal dele. O melhor era mesmo voltar para casa, a noite já tinha sido demasiado extravagante, senão mesmo surreal. Então, num passo apressado, toma o rumo para o seu lar.

Adolfo, excitado como uma criança que joga às escondidas, achava esta uma das suas partes mais favoritas. Deixar as suas vítimas num estado de falsa segurança depois de uma experiência traumatizante, no mínimo. Agora tinha só de seguir o bandido discretamente para poder acabar o seu trabalho na sua própria casa. Uma espécie de toque pessoal. Seria pena se ele vivesse com mais gente, porque depois seria uma chatice matá-los também, até porque ele ainda teria de ir para casa e ver se dormia uma ou duas horas. E matar uma pessoa não era propriamente algo que ele gostasse de fazer rapidamente.



O indivíduo entra num edíficio de apartamentos. Pela luz que se acende, Adolfo percebe o andar em que vive, e começa a trepar agilmente, feito aranha autêntica, para entrar por uma janela.

"Porra, mas que raio foi aquilo, pá...." O homem ainda se questionava sobre o acontecimento mais recente na sua vida. "Aquele sítio era bacano para se arranjar umas cenas aos tótos, agora anda lá um marado..." Faz uma pausa, pensativo. "Mas porque é que num raio é que tou a falar sozinho!? Vou mas é p'à cama que já tou farto deste dia!"

Subitamente é agarrado por uma força incrível e arremessado para o chão. Sente uma pancada na nuca e desmaia.





Não achou uma maneira particularmente divertida de acordar, amordaçado e amarrado, deitado em cima da sua mesa de jantar. Começou inutilmente a tentar gritar por socorro. Notou que não estava ninguém à vista. Teria o doido desistido e ido embora? Foi apenas um susto? Estaria a sonhar? Conseguiria soltar-se das cordas que o prendiam? Ficou em silêncio durante longos momentos enquanto reflectia se o que lhe estava a acontecer era mesmo verdade.

Ouve-se o autoclismo da sua casa de banho.

Surge Adolfo. Ainda nu. "Ah, já acordaste! Boa!" De tão contente que aparentemente estava, pulou de alegria e os genitais seguiam o movimento, para exímio horror da vítima. Aquele espectáculo era demasiado macabro para qualquer humano poder aguentar. Naturalmente, o homem vomitou. Adolfo decide limpar a substância biliar. Queria deixar a casa o mínimo limpa.

Limpa de tudo excepto sangue, obviamente.

Liga a televisão e senta-se no sofá. Começa a fazer zapping. Pára nalguns canais por minutos e prossegue. Nisto passaram incontáveis minutos, talvez horas. Depois, encontrou um canal de desenhos animados....





Lembrando-se da noite atribulada, se assim lhe pudesse chamar, que havia tido, reflectiu sobre que mal tão horrível teria feito para merecer tal tratamento. Tinha roubado muitas pessoas. Havia sido carteirista, traficante e até já havia assaltado uma mercearia. No entanto nunca pensou que algo deste género lhe iria acontecer. Prisão? Claro, era grande probabilidade, mesmo que por pouco tempo. Morte? Também provável, mas em princípio uma morte mais rápida. Nada de tortura psicológica nem nada. Apesar de tal amargura, ainda tinha esperança que alguém, nem que fosse a polícia, ou o seu maior inimigo, aparecessem. Alguém para o salvar antes que fosse tarde de mais.

Adolfo muda de canal, satisfeito com as palhaçadas dos bonecos. Recomeça a fazer zapping. Um canal de notícias desperta-lhe a atenção.

".... encontrou mais um corpo, amarrado como os anteriores. A vítima foi encontrada por um amigo que estranhou ter faltado a um compromisso. A polícia e agentes forenses estiveram no local e confirmam que é o mesmo assassino dos casos anteriores. Já é a quarta vítima do assassino usando o mesmo método. Segundo os inspectores da polícia, os corpos são sempre encontrados com uma marca única de esfaqueamento. Alegadamente um objecto parecido com uma normal faca de cozinha ou similar. De notar também que as vítimas são encontradas ao pé da sua televisão, normalmente num canal de desenhos animados. A polícia afirma que está a fazer tudo o possível para determinar quem é este criminoso e prendê-lo. De notar também que todas as vítimas até agora tinham cadastro envolvendo, por exemplo, tráfico de drogas, agressão, roubo, e até tentativa de homícidio......"

"Já viste, lá estou eu outra vez na televisão! Esta gente é mesmo chata, não me deixa fazer um trabalho em paz. Se não fosse pela polícia e tal poderia perseguir-te de dia! Isso seria divertido, não achas!?", perguntou, dirigindo-se ao homem como se ele pudesse responder. "Poderias ver-me de mais longe e começar a fugir antes!"

Volta a pôr no canal dos desenhos animados. Levanta-se. Pega na sua faca, que lhe tinha feito companhia no sofá. Aproxima-se do homem e desfere-lhe um golpe certeiro e mortífero no abdómen. Retira lentamente a faca e limpa-a nos cortinados. Começa-se a vestir.

"Ah, sabes, este momento dá-me sempre um grande sentimento de nostalgia. Aqueles momentos em infante em que o papá trazia um das tua laia para casa depois do trabalho. A mamã obrigava-o a comer a sopa connosco (tinhamos de levar a colher à boca, já que ele não conseguia sozinho) e depois os dois levavam-no para a cave onde podiam fazer o trabalho deles. Às vezes deixavam-me espetá-los um bocadinho antes de se aborrecerem e acabarem com eles, mas eles diziam-me que podia fazer isso sozinho quando fosse maior. Felizmente veio a acontecer. É pena que eles agora já não tenham a força para ir buscá-los sozinhos. Cabe a mim e aos meus irmãos e irmãs a regularmente lá levar um, só para eles se entreterem como nos bons velhos tempos."

Repara que o homem estava perto de expirar. Acaba de se vestir, agradece o tempo, despede-se cordialmente e sai.

1 comentário:

  1. Adolfo é tipo "Justiceiro da Noite" só que mais macabro...

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