9 de julho de 2009

Jansénio sai da faculdade, já atrasado. Esteve a ajudar um colega num assunto do qual, por acaso, ele percebia bastante, e por isso ficou mais tempo do que eram as suas obrigações académicas. Entrou na estação de metro, no seu passo largo, confiante e decidido, com o intuito de chegar a casa o mais rápido possivel, pois queria desesperadamente descansar.

Quando ia só nas suas viagens através do mundo subterrâneo do metropolitano, entretia-se com grandes discussões filosóficas consigo mesmo, no seu pensamento. Hoje não era excepção:

"Lá vou chegar a casa atrasado para o almoço outra vez... Já o comer deve estar frio imagino. Isto de ser o bom samaritano trama-me sempre a vida. Podia simplesmente escolher não ajudar ninguém, porque não podia ou não sei quê... Obviamente estaria a mentir, e eu não posso fazer isso, porque eu realmente posso sempre ajudar. Mas também não recebo nenhuma recompensa material por fazê-lo. Então porquê? Porque é que continuas a fazer isto a ti Jansénio? Estás cheio de fome, estás ligeiramente cansado e ainda vais ter de estudar para o exame que vais ter depois de amanhã. Ui, já quase nem me lembrava disso. O pessoal que eu ajudo raramente tem possibilidade de me compensar, porque também mui raramente peço alguma coisa." -E sentiu-se deveras confuso, pois era um questão para a qual nunca tinha resposta.

Chegou à estação onde tinha de mudar de linha. Saindo de rompante assim que a porta abriu, as pernas disparam-no escadas acima. Para Jansénio era fácil subir lances de escadas, pois a severidade com que tratava o seu corpo a nível fisico permitia-lhe manter (até certo ponto) o seu atleticismo de outrora. Dito isto, apenas usava as escadas rolantes quando ia acompanhado com um colega, ou situações semelhantes.

Subiu mais um lance de escadas, cabelo louro esvoaçando sincronizadamente com os seus saltos à medida que avançava jovialmente pelos degraus acima. Chegando ao topo, deparou-se com a confusão habitual daquela hora: jovens em pequenos grupos a rirem-se no meio de uma conversa animada, homens e mulheres a tomar o café pós-almoço num pequeno bar que lá havia, idosas redondas rebolando pesadamente com os seus sacos, saquinhos e sacões, por todo o lado pessoas a falar ao telemóvel, escusado será dizer umas mais ruidosamente que outras.

Apesar do caos urbano, Jansénio fixa os olhos num individuo em particular que vinha na sua direcção, sem dúvida para apanhar o metro que tinha abandonado há pouco mais de um minuto. Ele também o vê e cumprimentam-se:

"Senhor Jansénio..." -disse, simpatíquissimo, boca bem aberta a mostrar os dentes redondos e polidos.
"Senhor Sezafrino, como está vossa excelência?" - respondeu Jansénio, fazendo uma ligeira vénia.
" 'Tou bem pá! Então, só vens agora da faculdade? Já almoçaste?"
"Infelizmente não meu amigo, estava a ver se chegava a casa o mais rapidamente possivel" - disse, sorrindo. - "Já agora, como correu o teu exame? Aquela tarde em que te tive a explicar a matéria serviu de alguma coisa?"
"Épa, aquilo correu às mil maravilhas pá, pelo menos as partes que eu fiz!"
"E fizeste muito?" - perguntou, sabendo a provável resposta.
"Um bocado mais de metade."

Riram-se os dois.

"Bom, suponho que dá para a positiva."
"Pois é pá, e tudo graças a ti pá! És mesmo um porreiraço! Se não fosse por ti aquilo tinha sido escasso."
"Ah, por amor de Deus, meu amigo! Só me interessa que passes, como chegaste lá são pormenores! Olha, vou andando, até amanhã!" - Despediu-se Jansénio, estendendo o polegar para cima, curiosamente pensando em gladiadores imediatamente depois.

Ao entrar noutro metro, e retomando os seus pensamentos anteriores, concluiu: "Pois, já me lembro porque é que faço isto...."

1 comentário:

  1. Para poderes levantar o dedo tipo César? Ou porque fazer o bem sem olhar a quem é também uma das tuas máximas? Ou por nenhuma destas razões e sim por uma outra que ninguém conhece, nem mesmo tu?
    O problema é que a fome, tal como o frio e o calor são muitas das vezes psicológicas...

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